N.157 | 8 de Setembro de 2015
Nova seção no Alerta
DIÁLOGOS POSSÍVEIS
Em busca do diálogo entre as Ciências
A seção Diálogos se destina a fomentar a interação entre pesquisadores/autores, de distintas áreas do conhecimento, que disponibilizam o conteúdo de sua produção no Repositório Institucional da UFBA. Boa leitura!
Alerta é uma publicação do Núcleo de Disseminação do Conhecimento (NDC) e destina-se a divulgar a produção acadêmica da UFBA registrada no seu Repositório Institucional. O Núcleo foi criado e é mantido pelo Grupo Gestor do Repositório Institucional da Universidade Federal da Bahia (RI/UFBA). Para mais informações e para acessar todas as edições do Alerta, visite: www.ndc.ufba.br.
Em virtude das dificuldades de "diálogo" nesse período de paralisação das atividades na UFBA, faremos uma retrospectiva dos primeiros DIÁLOGOS
DIÁLOGOS POSSÍVEIS
Em busca do diálogo entre as Ciências
O professor Paulo Costa Lima (PL) da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia (UFBA) dialoga com a professora Paola Berenstein Jacques (PB) da Faculdade de Arquitetura da UFBA.
(PL) Corpo, Cultura e Cidade: Como se entrelaçam? Como convocam a presença do pesquisador?
(PB) Corpo, cultura e cidade estão necessariamente coimplicados a partir da experiência ou prática dos espaços urbanos. Qualquer experiência urbana, seja ela ordinária ou não, é também uma experiência corporal e cultural, uma experiência a princípio complexa e não pacificada. Não há grande novidade aí, o que deveria convocar mais fortemente hoje a presença dos pesquisadores tanto para realizar trabalhos de campo nos espaços urbanos quanto para rediscutir esta coimplicação corpo-cidade-cultura seria um necessário e urgente enfrentamento crítico do processo de espetacularização das cidades contemporâneas, em curso também em Salvador. O processo de espetacularização urbana ficou cada vez mais explicito, sobretudo com a Copa do Mundo e as Olimpíadas no Brasil e, felizmente, sua crítica já se tornou recorrente no meio acadêmico, mesmo que muitas vezes com outros nomes: cidade-cenário, cidade-museu, cidade-parque-temático, cidade-shopping, em resumo: cidade-espetáculo. São diferentes processos urbanos – tais como: estetização, culturalização, patrimonialização, museificação, musealisação, turistificação, gentrificação, privatização, etc., – que fazem parte, deste mesmo processo de espetacularização que, por sua vez, é indissociável das estratégias de marketing e do que se chama branding (construção de marcas) e buscam construir uma nova imagem para as cidades contemporâneas de modo a lhes garantir um lugar na geopolítica das novas redes globalizadas de cidades turísticas e culturais. Este processo busca, a partir de projetos urbanos ditos de “revitalização”, padronizar esta experiência urbana, tornando-a menos complexa. Esta denominação dos projetos urbanos insinua que os espaços a serem “revitalizados” estão mortos, sem vida, mas geralmente o que ocorre é o contrário, são espaços com intensa vida popular e, os projetos, na verdade, são de gentrificação, ou seja, de expulsão da população mais pobre. Os espaços são tidos como “mortos”, problemáticos ou abandonados, uma vez que que a vida existente não é considerada adequada ao que foi planejado pela lógica espetacular ditada pelo mercado e pelo turismo massificado. A polêmica recente sobre a expulsão dos ferreiros dos Arcos da Montanha para a realização de um projeto de “revitalização” é um ótimo exemplo, os Arcos fazem parte do patrimônio soteropolitano, está certo, mas e os ferreiros que ali exercem há tanto tempo seu ofício? Porque deveriam ser expulsos para a criação de novas “residências artísticas”? Esta mesma estratégia ocorre em várias cidades, jovens artistas são usados como “âncora” destes processos de gentrificação, eles ajudam a dar novo “charme” a bairros tidos como “decadentes”. A busca de domestificação da experiência urbana pela lógica do espetáculo passa por uma tentativa de separar esta experiência tanto de nossa corporeidade quanto de nossos vínculos culturais, sobretudo aqueles tidos como imateriais ou intangíveis, os espaços urbanos passam a ser pensados como simples cenários para turistas, sem cultura própria, sem corpo, espaços desencarnados: pura imagem publicitária.
Assim, as cidades cenográficas contemporâneas se tornam cada dia mais padronizadas e uniformizadas. As imagens de marca de cidades distintas, com culturas próprias, se parecem cada vez mais entre si. Como já ocorre com os espaços padronizados das cadeias dos grandes hotéis internacionais ou, ainda, dos aeroportos, das redes de fast food, dos shopping centers, dos parques temáticos, dos condomínios fechados e demais espaços privatizados. As intervenções contemporâneas sobre os territórios ditos históricos ou culturais, como o caso já citado dos Arcos, também obedecem a este processo, criando simulacros turísticos. Hoje, paradoxalmente, a referência de espaço público dito “de qualidade” passa a ser um espaço privado, na maior parte das vezes, um espaço interno, cercado e com segurança particular. Os atuais projetos para novos espaços públicos contemporâneos, baseados na lógica do shopping center, são cada vez mais fechados, privatizados e controlados. São essas questões contemporâneas que nos obrigam a repensar as relações entre urbanismo, corpo e cultura.
Ao estudarmos mais de perto estas relações percebemos que a própria experiência urbana cotidiana, corporal e cultural, seria uma resistência a este processo de espetacularização, ao nos aproximarmos destes espaços em processo de “revitalização” percebemos que há sempre algo no cotidiano que escapa destas tentativas de homogeinização da experiência das cidades. Os praticantes ordinários das cidades atualizam os projetos urbanos e o próprio urbanismo, através da prática, vivência ou experiência dos espaços urbanos. Os urbanistas podem indicar os usos possíveis para o espaço projetado, mas são aqueles que o experimentam no cotidiano que os atualizam constantemente. São as apropriações e improvisações dos espaços que legitimam ou não aquilo que foi projetado, ou seja, são essas experiências do espaço pelos praticantes que reinventam esses espaços no seu cotidiano. Para discutirmos estas questões, criamos (o grupo de pesquisa que coordeno na Faculdade de Arquitetura, Laboratório Urbano, e o grupo de pesquisa coordenado por Fabiana Britto, Labzat, na Escola de Dança) uma plataforma de ações chamada CORPOCIDADE, que promove uma série de atividades: ações artísticas, experiências metodológicas, publicações e encontros. O quarto encontro da plataforma, que é bienal, será este ano, em dezembro. Também publicamos uma revista sobre o tema que se chama Redobra, tudo que realizamos fica disponível em no site da plataforma, inclusive o livro CORPOCIDADE: debates, ações e articulações (publicado pela Edufba em 2010): Disponível em:http://www.corpocidade.dan.ufba.br
(PL) França, Rio e Bahia (Salvador): como esses três territórios tecem (também esgarçam?) sua trajetória?
(PB) Não tenho como dissociar esses lugares de minha trajetória: Rio, Paris e Salvador são as cidades em que me sinto “em casa”, vivi quase o mesmo tempo de minha vida adulta em cada uma destas três cidades. Sou carioca, fiz minha graduação no Rio mas logo ao me formar mudei para Paris, onde fiz toda minha pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado), após o doutorado voltei para o Rio, para a UFRJ, como pesquisadora, mas pouco tempo depois me desterritorializei novamente, fiz concurso para professora na UFBA e me mudei para Salvador. Nos últimos anos passei mais duas temporadas em Paris (Pós-doutorado e Estágio Sênior). Além de coordenar um grupo de pesquisa na UFBA (Laboratório Urbano), integro um laboratório de pesquisa em Paris (Laboratoire Architecture Anthropologie – LAA/CNRS) e outro no Rio (Laboratório de Estudos Urbanos – LeU/UFRJ), ou seja, continuo entre as três cidades, mesmo morando em Salvador.
Acho que passo a compreender melhor uma cidade ao observá-la a partir de outra, precisei ir morar em Paris para entender um pouco melhor minha experiência do Rio e, em particular, das favelas cariocas. O livro Estética da Ginga, por exemplo, só pode ser escrito a partir desta experiência de estranhamento inicial com a cidade de Paris, que me levou a compreender a importância das favelas para a cultura carioca. Meu último livro, Elogio aos errantes (publicado pela Edufba em 2012), parte de algumas experiências de Paris que busco relacionar com experiências do Rio, mas foi escrito em Salvador. Ainda não consegui escrever especificamente sobre Salvador, que talvez seja, entre as três, a cidade mais difícil de se decifrar, mais cheia de mistérios… Talvez seja por isso mesmo que eu tenha me sentido atraída pela Bahia, por este estranhamento familiar que ainda sinto ao viver nesta cidade e que me faz pensar, mas talvez eu precise ir ainda para uma outra, uma quarta cidade, para conseguir escrever sobre a experiência soteropolitana…
(PL) Sobrevive a Universidade ao que está posto pelo capitalismo tardio? Como?
(PB) É preciso que sobreviva. Acredito que a Universidade possa sobreviver sim, da mesma forma que as cidades sobrevivem e, em particular, seus espaços públicos: enquanto resistências críticas ao que está posto pelo que se chama de capitalismo tardio, cognitivo ou mundial integrado, que tende quase sempre à privatização e ao consenso, ou seja, ao pensamento único: a cidade e/ou a universidade como um grande negócio/empresa. Como? Talvez da mesma forma que citei na primeira pergunta ao tentar explicar a resistência ao processo de espetacularização urbana contemporânea que se dá pela simples prática cotidiana ou uso dissensual, pelos desvios, escapes e apropriações que não se deixam pacificar ou privatizar. Uma das maiores estratégias para o controle tanto do espaço público quanto da esfera pública é a tentativa de pacificação das diferenças para a fabricação de consensos. A Universidade enquanto esfera pública privilegiada da sociedade e, sobretudo, quando está dentro do seu espaço público por excelência, a cidade, precisa garantir este rico espaço da resistência ao pensamento único, a partir do debate, do dissenso, da pluralidade, da alteridade, do confronto de ideias diferentes e de visões de mundo distintas ou conflitantes. Temos como desafio produzir conhecimentos de forma complexa e conflituosa. A coexistência das diferenças é parte constituinte da própria ideia de Universidade e é, sem dúvida, do choque entre estas diferenças que algo potente emerge, ou seja, a partir de debates e confrontos de ideias, sem buscar pacificar as diferenças, construir falsos consensos ou outros simulacros de participação. Acho que a Universidade pública, democrática e autônoma, só sobreviverá se conseguirmos mantê-la como um espaço efetivamente público, aberto, dissensual, transdisciplinar, para a reflexão, discussão, experimentação, criação, ação e, sobretudo, para o livre exercício da crítica, fundamento que cria as condições para qualquer produção efetiva de conhecimentos. Seu decreto de morte seria ceder a esta lógica espetacular imposta pelo capitalismo tardio e transformá-la em espaço privatizado, pacificado, mercantil, que atua somente pela reprodução pura e simples de conhecimentos adotados como consensuais.
(PL) Comente sua produção recente, e os horizontes que desenha.
(PB) Uma dos trabalhos que serão fechados em breve é o projeto de pesquisa PRONEM (Programa de Núcleos Emergentes – FAPESB/CNPq) chamado “Experiências metodológicas para a compreensão da complexidade da cidade contemporânea”, que realizamos com um núcleo de pesquisadores locais, da UFBA e da UNEB, além de uma série de pesquisadores convidados do país e do exterior.
Esta pesquisa investigou diferentes metodologias de apreensão da complexidade das cidades no atual contexto de espetacularização urbana, buscando articular três linhas de abordagem que costumam ser tratadas separadamente: historiografia, apreensão crítica e estética-corporal. Tomando a noção de experiência como princípio norteador da investigação teórico-metodológica buscamos aprofundar a discussão e a prática da apreensão das cidades no campo do urbanismo, articulando outros campos de conhecimentos como a filosofia, a psicologia, antropologia, as artes e o próprio urbanismo, de modo a contribuir para a construção de uma compreensão da condição processual e micropolítica da experiência urbana e de suas formas de transmissão (que chamamos de narrativas urbanas). Atualmente estamos trabalhando em torno de três diferentes planos de compreensão da complexidade da experiência urbana, cada qual incluindo uma tríade de aspectos coimplicados: um tipo, um modo e um campo, assim distribuídos: 1. subjetividade, corpo, arte; 2. alteridade, imagem, etnografia e 3. memória, narração, história. Atravessando esses três planos, uma outra tríade de aspectos da apreensão da cidade entrou no processo como um plano transversal de problematização: 4. experiência, sujeito, transmissão. Essa transversalidade acrescentou ao debate sobre modos de apreensão da cidade uma série de outras questões de fundo a serem ainda tensionadas, como: noção de experiência e noção de sujeito; experiência vivida e formas de transmissão; experiência transmitida e ficção ; processos de subjetivação e modos de sujeição; experiência, experimento, experimentação e criação ; sujeito individual, sujeito coletivo, autoria e anonimato. Ao compreender que dentro do contexto de espetacularização urbana tínhamos uma disputa entre diferentes narrativas das cidades, uma disputa na produção de subjetividade através da fabricação de desejos de cidade e, sobretudo, de narrativas de experiências urbanas, a pesquisa desenhou assim uma série de horizontes instigantes de apreensão crítica de experiências urbanas que nos levou a pensar que a partir dos planos de trabalho que estamos desenvolvendo ainda possam surgir outras formas de narração destas experiências e de compreensão das cidades.
Algumas experiências desta pesquisa, as diferentes metodologias de apreensão da cidade, vêm sendo “testadas” de forma bastante satisfatória tanto em uma disciplina optativa sobre o tema que ofereço na pós-graduação quanto no ateliê de urbanismo, que ministro com colegas na graduação. Atualmente tento desenvolver uma ideia de montagem como forma de conhecimento da cidade e, no ateliê, fazemos com os estudantes um exercício experimental de montagem de um Atlas de uma parte da cidade de Salvador. Acho que um tipo de conhecimento mais complexo sobre a cidade pode ser operado pela ideia de montagem, pensada a partir da ideia praticada por alguns artistas e teóricos. A ideia de montagem como uma forma de conhecimento criado a partir da reunião de narrativas urbanas bem distintas e por vezes paradoxais, a partir do choque entre elas, pode ser pensada também como um outro modo de apreensão da experiência urbana, bem mais complexo do que o “diagnóstico” do planejamento urbano mais tradicional, que, consequentemente, poderá nos levar também a outras formas de reflexão, de compreensão e outras lógicas de intervenção nas cidades contemporâneas.
ACERVO
LEI
Conjunto de normas jurídicas criadas através dos processos próprios do ato normativo e estabelecidas pelas autoridades competentes para o efeito. No seu processo de formulação passa por várias etapas estabelecidas na Constituição. Nesse processo, tem-se: a iniciativa, discussão, votação, aprovação, sanção, promulgação, publicação e vigência da lei. No Brasil, os projetos de lei podem ser de iniciativa do Presidente da República, de um parlamentar e de presidentes dos tribunais superiores. No RI/UFBA você encontra diversos trabalhos acadêmicos sobre este tema, entre os quais:
O controle de constitucionalidade das leis municipais: à luz da jurisprudência do STF
Almeida Neto, Manoel Carlos de
Justiça restaurativa e a lei dos crimes ambientais (lei n. 9.605/98): uma proposta de aproximação
DUNAS
Montanhas móveis de areia formadas a partir de processos eólicos (ou seja, pela ação do vento). Geralmente, são classificadas − com base em sua estrutura − em três tipos: estacionárias, são imóveis porque os elementos que formaram determinado monte de areia ficam depositados em camadas, tornando assim uma estrutura mais estável; migratórias, são aquelas que o vento movimenta os elementos arenosos, fazendo com que a duna migre de um lugar para outro; e, por último, as fósseis, que são dunas que sofrem o processo de consolidação de sua areia ao longo do tempo, transformando-se em rocha arenito. São consideradas Áreas de Preservação Permanente (APP) por constituírem um ecossistema próprio. No RI/UFBA você encontra diversos trabalhos acadêmicos sobre este tema, entre os quais:
A flora apícola de uma área restrita de dunas litorâneas, Abaeté, Salvador, Bahia
Viana, Bladina Felipe
Silva, Fabiana Oliveira da
Kleiner, Astrid de M.P.
Viana, Blandina F.
Silva, Fabiana O.
Kleinert, Astrid M. P.
Neves, Edinaldo Luz das
Viana, Blandina Felipe
Gusmão, Elzeni Diladelfo de
Souza, José Pereira de
Silva, Ivanádia Maria de Santan
Silva, Lázaro Benedito da
Rodarte, Ana Tereza Araújo
Silva, Fabiana Oliveira da
Viana, Blandina Felipe
AGROECOLOGIA
Ramo da ecologia que estuda os ecossistemas artificiais que se estabelecem em áreas agrícolas. É uma forma alternativa para enfrentar os problemas gerados pelo modelo de agricultura convencional industrial, de modo a condenar os monocultivos agrícolas (responsáveis pela diminuição da biodiversidade dos sistemas naturais), exploração do trabalhador rural, etc. Fazendo aplicação dos princípios ecológicos para o entendimento e desenvolvimento de agroecossistemas sustentáveis, as práticas agroecológicas se baseiam na pequena propriedade, na força de trabalho familiar e em sistemas produtivos complexos e diversos adaptados às condições locais e ligados a redes regionais de produção e distribuição de alimentos. No RI/UFBA você encontra diversos trabalhos acadêmicos sobre este tema, entre os quais:
Industrializar, preservar ou conservar o meio ambiente: um trilema agroeducacional
Silva Júnior, Milton Ferreira da
Café convencional x café orgânico: análise comparativa de sistemas de produção familiar, Ibicoara-BA
Santana, Ligia Regina R. de
Carvalho, Rosemary D.S.
Leite, Clicia Capibaribe
Alcântara, Leda Maria
Oliveira, Tchana Weyll S. de